Tuesday, April 26, 2011

Cresci para me tornar criança

Por Camila Miranda


Quando a fala se torna algo proibido por, hipocritamente, desrespeitar o próximo, a escrita torna-se sacralizada. Se torna uma forma de escapar do real e mergulhar no poder incrível que a mente tem de imaginar. Uma válvula que relaxa os músculos e libera uma sensação de prazer inigualável.


É incrível que o fato de nos conectarmos com a nossa mente criativa, nos conectamos automaticamente com a nossa infância e, consequentemente, ao nosso Eu interior, portador de multifaces que compõem uma única. A criança tem a facilidade e a beleza de ser cem por cento imersa na considerada realidade e, ao mesmo tempo, no misterioso mundo da imaginação, cruzando e vivendo um e outro. Nós, seres humanos crescidos (vulgo adultos), esquecemos que um dia nossas vidas eram coloridas, apesar de qualquer escuridão. Esquecemos que brincar é saudável, e não infantil. Esquecemos, completamente, dos pequenos e significativos detalhes do mundo e da vida.


A criança sente prazer em respirar e descobrir que o ar entra e sai, simplesmente. A criança deslumbra ao observar o vôo de uma borboleta, ou a lerdeza de uma lesma no quintal de casa. A criança sente prazer pelos cheiros. O cheiro da chuva, do bolo de fim de tarde, ou daquela velha bola de plástico colorida. A sensação do sol que arde. A diversidade de cores e formas que possuem as flores. Uma poça d’água, um abraço, um olhar. Escolher o que brincar é a única preocupação, e ser feliz a única tarefa. Achar fascinante cada ser vivo, do jeito que é. Ser criança é aproveitar todos os segundos da vida do jeito que lhe convém. É não se preocupar apenas com a aparência, e não sofrer de doenças estéticas que assombram os seres adultos. Ser criança é ser portador de uma enorme simplicidade, e desejar somente sensações. Ser criança é saborear todos os sabores que existem no mundo. É ter o prazer de tomar um sorvete e, muitas vezes, odiar um vegetal. Ser criança é aprender brincando. É na infância que traçamos boa parte de nossas atitudes quando adultos. Esse pequenino ser é livre para correr, gritar, gargalhar, chorar, criar e aproveitar todos os minúsculos segundos da arte de viver. Por que quando crescemos, nos reprimimos a tal ponto que achamos tudo isso banal? Por que tantas e tantas crianças precisam sobreviver em situações deploráveis e massacrantes? Por que as formas de educar cada vez mais se baseiam em podar o poder criativo de uma mente infantil, para assim adequá-la a um sistema de sociedade fabricado, que consiste em não aguçar o ser pensante, e sim aflorar apenas o ser que produz em massa?


Que os detalhes da vida possam invadir, de novo, a nossa existência e que nós, seres humanos crescidos, possamos aliar a imaginação com essa realidade mundo a fora, turbulenta e muitas vezes fria e sombria. Que as crianças, enfim, ascendam nos adultos esquecidos, o verdadeiro significado de viver e ESTAR vivo.

No comments:

Post a Comment