Wednesday, April 13, 2011

O Corpo Cristão na Arte e Cultura

Por Danielle Greco

“De que vale estudar se o conhecimento não se transformar em amor?” Antônio de Pádua, filósofo do século XIII, iniciava todas as suas aulas com esta frase. Apaixonar-se por alguém, é mais poético do que apaixonar-se por uma poesia. Porém, isso apenas acontece com facilidade nos contos de fada, em histórias escritas, por escritores desiludidos, por pessoas buscando cada vez mais, o hedonismo, um amor incondicional.


Amar é um verbo e não um sentimento, o amor, somos nós quem escolhemos, se queremos vivê-lo ou não, quem amar e quem deixar de amar. É um livre arbítrio. A partir do momento que amamos, estamos escolhendo viver de determinada maneira com determinadas pessoas, e nos inserimos em um sistema. Este amor, não é incondicional - como o amor de Jesus Cristo por nós -, é condicional, pois todos os sistemas assim o são. Uma das regras do amar é se adequar ao sistema, onde muitas vezes, para isso, sofrem-se torturas e agressões. O amor é um mecanismo complexo e se determina hoje como pragmático em nossa sociedade.


Todo sistema tem uma história, uma memória interna, e a partir disso, este elabora decisões que favoreçam a sobrevivência dele. A busca de cada ser humano, por este amor hedônico, incondicional, sugere nucleação, pois o viver em grupo facilita a sobrevivência de uma espécie, assim as sociedades moldam as pessoas na busca por uma linearidade. A complexidade, a não linearidade dos sistemas, gera crise, gera seres agônicos e agressivos. A partir daí, constroem-se culturas.


A cultura nasce quando o ser humano toma consciência que vai morrer, ela resgata a humanidade, procurando uma permanência, e promovendo uma autopoiese, onde o próprio ser humano se autoproduz e autorregula, através das relações consigo mesmo, mantendo-se também em interação com o meio. Assim, o ser humano é regido pelos temas ontológicos de espaço, tempo, matéria e mudança, e havendo esta transformação, há evolução.


O conceito de evolução dentro dos sistemas, a evolução do conhecimento, a ontologia como ciência geral, ajudam a elaborar a complexidade do mundo. A cultura é como um sistema aberto, ela se interliga com outros sistemas, pode ser o todo e ter tudo dentro de si mesma e de suas propriedades, e o todo é sempre melhor que as partes, pois não se descobre o todo o decompondo. Na ontologia do holismo, o todo antecede a parte e o todo age sobre esta parte. Não há uma divisão entre corpo, ser humano, ambiente, sistemas.

“É que o mundo de fora também tem o seu ‘dentro’, daí a pergunta, daí os equívocos. O mundo de fora também é íntimo. Quem o trata com cerimônia e não o mistura a si mesmo não o vive, e é quem realmente o considera ‘estranho’ e ‘de fora’. A palavra dicotomia é uma das mais secas do dicionário.”
Clarice Lispector

Assim como o homem, o mundo e a cultura são imensos textos, sem decomposições e dicotomias. Mas, quem são seus editores?
         
De fato, o homem cria cultura sobre o mundo, esta se refere a suas próprias crenças, valores, comportamentos, regras morais e instituições, que, por sua vez, referem-se a identidades próprias, de determinados grupos, em um espaço-tempo. Com a não linearidade de hoje, a cultura também, pode se mostrar como uma contra cultura, esta acontece quando pessoas tentam mostrar uma cultura que se difere da maioria. A contra cultura, gera discriminação, é uma cultura não comum, como a arte contemporânea, que permite ao ser humano, explorar as diferentes possibilidades de uma realidade.
            
A realidade do século XX, é sistêmica, é complexa, é legaliforme, tudo que está nela, é sistema, nada é elementar, tudo se manifesta através de regularidades no tempo, ela independe do ser humano, o universo é um sistema mega, um todo indivisível e indizível.
      
Tentar lidar com a realidade, como ela pode ser, se traduz em uma ficção, e a sobrevivência está atrelada a capacidade de se pensar nesta ficção, mas isto apenas existe por causa de uma lei. E como podemos garantir que a lei do começo do universo é a mesma de agora? Qual a origem das leis? Nosso mundo é governado pelo caos determinista, nada funciona sempre do mesmo jeito, há uma imprevisibilidade, não se pode garantir que determinados eventos irão acontecer, são processos regidos por probabilidades, são leis estocásticas, e estas estão em grande número na natureza e na linguagem humana. Mas por que os ovos se transformam em pássaros, ou por que as frutas caem somente no outono?
           
Isto não é uma lei, pois não entendemos sua fórmula geral, não é uma necessidade, pois, embora, contemos com este tipo de acontecimento na prática, não temos o direito de dizer que ele sempre deve acontecer. Portanto, o mundo é gramatical, e o início do universo, é uma indeterminação matemática, o início existe, mas é desconhecido. Como surgiu o universo? O que é energia? O que é o ser humano? Qual nossa identidade?
          
É fato que, o homem sobre duas pernas, é algo exacerbadamente emocionante, e que, sua capacidade de criar cultura é inexplicável. Traçando este panorama, chega-se a teoria filosófica do monismo, o um, onde a realidade e identidade são inseparáveis. Um exemplo de monismo está no racionalista Spinoza, que defende a idéia de que, Deus e Natureza, são uma única substância, da qual deriva todo o universo, onde dois mundos paralelos, o físico e o mental, coexistem em uma só coisa.
         
Michelangelo em sua pintura sobre a criação do homem destaca o exato momento em que Deus despertou o homem a sua imagem, o corpo de Adão - que em hebraico se traduz por pó ou terra - deitado ao chão, como parte da natureza, com a mão esticada em direção ao céu, de onde Deus estende a mão para baixo. As mãos de Deus e de Adão não chegam a se tocar, uma brecha separa ambos os dedos, é como uma sinapse, por meio da qual flui a energia de Deus.
           
O livro bíblico de Gênesis denota que Adão já estava biologicamente vivo - dotado de corpo/mente - quando Deus lhe soprou nas narinas o fôlego de vida. Mas por que Deus não precisou soprar este mesmo fôlego nos animais que também já existiam? Isso é o que nos diferencia, a raça humana se tornou uma alma viva, e não apenas um corpo com vida, e o espírito/energia, revela esta substância única com que fomos criados, revela uma criação especial. O espírito é algo invisível, algo de que fomos formados no princípio e que temos como parte de nosso corpo. Somos únicos.
            
Assim, sendo o homem, dotado do racional - proveniente também deste espírito, pois Deus é razão, do subjetivo, e de uma realidade, material, visível, tangível e mortal, encaixa-se no termo “alma”. Em hebraico, né.fesh, ou, em grego, psy.khé, denomina-se como pessoa, animal ou, a vida que estes usufruem, suas necessidades de alimento, o próprio sangue em suas veias, seu ser com suas manifestações vitais, como a respiração, o eu consciente ou personalidade, como centro de emoções, desejos e afeições. Um ser vivente. E, sendo este ser vivente, a ordem dada por Deus a Adão era a de cultivar o solo, do latim, cultura. A identidade do homem estava formada.
    
Na sociologia, identidade é o compartilhar de várias ideias e ideais de um determinado grupo. Alguns autores, como Karl Mannheim, elaboram o conceito em que, o indivíduo forma sua personalidade, mas também a recebe do meio, onde realiza sua interação social.
    
Neste contexto, de universo, ser humano, identidade e cultura, entro na questão da religião no século XX, mais precisamente, da cristã, vulgo evangélico. Quanto a identidade cultural de cada individuo, quando cristãos, ela continua sendo a mesma?
     
Por que a necessidade de mudá-la? Talvez com a necessidade de adequar esta identidade a identidade de Cristo? Cristo tinha uma identidade, e ele não veio para que todos fossem como ele, mas sim, para que aprendêssemos a lidar com nossa própria identidade, que é singular e não plural. Veio nos ensinar a criar cultura, a lidar com o outro, a viver em sistemas abertos, a praticarmos um pouco mais do hedonismo.
           
Mas, os evangélicos - salvo exceções - são praticantes da contra cultura, são agônicos, apenas ‘pensam’ que são hedonistas, mas não, pois eles sempre afastam aqueles que não se encaixam em determinados perfis, ditados pelos maiorais. O acolhimento é condicional, não há coesão, e muito menos gratificação. Os identificados e gratificados são aqueles que partilham do sistema imposto. Há de fato um valor racionado, uma destruição de valores, para que todos tenham apenas um valor, e este valor engloba o sofrimento como ponto de partida. Não há democracia.
            
Dá-se importância a opinião de homens comuns, que mostram grande unanimidade quando com questões do dia-a-dia. A religião tem atuado como um taylorismo, tentando docilizar o corpo de pessoas, mantendo o pensamento bloqueado por questões doutrinárias e disciplinadoras. A regra do ‘não pode’, se corporifica em diversos ramos da sociedade religiosa, instaurando conceitos que estruturam o saber, o perceber, o se relacionar com o outro e com o mundo.
            
Neste aspecto, um corpo biopolítico - que exerce o poder - coloca a vida nua no centro de suas ações. As trocas propostas por tais conceitos/valores colocam os corpos, novamente, em uma linha de montagem da produção industrial, como propunha Frederick Taylor. O corpo religioso capitalista, viciado em práticas de inclusão para exclusão, ignora o pensamento, e conceitos que não estejam de acordo com os valores pré-estabelecidos por determinada liderança religiosa.
            
A negação do corpo físico; corpo este dado como o mal do ser humano; objetiva a tortura em “espetáculos” apresentados dentro das próprias igrejas e em intervenções urbanas, tornando todos, torturados e torturadores de si mesmo e dos outros; pois há sempre a identificação e a aceitação da tortura e do torturador, como se esta fosse a conduta correta.
            
E tudo isso se resume no valor. A condição humana vive este sistema, o líder sempre distribui os valores, e o outro, deve concordar ou discordar destes, definindo grupos, sistemas e culturas. Nos grupos, existem tradições, e não há acolhimento para aqueles que as quebram. O amor incondicional é apenas atributo daquele que percebe o outro como a si mesmo, e que decide não se render a determinados costumes e valores de massa. Deus criou o ser humano para viver o incondicional, mas infelizmente a evolução desejou o condicional, cumprindo o papel das escrituras.

 “No princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus. Todas as coisas foram feitas por intermédio "Dele", e sem Ele nada do que foi feito se fez. E o Verbo se fez carne e habitou entre nós...”
João 1:1, 3, 14
            
O amor incondicional esteve presente, e está presente e disponível àqueles que desejam acessar valores, e valorizar a relação com outro, promovendo um acolhimento incondicional de todas as culturas, coexistindo com diferenças, permitindo as diversas formas de se ‘cuidar do solo’.

3 comments:

  1. Não há o que dizer agora.
    Quer dizer, na verdade há, há muito o que dizer, há muito o que fazer, a muito o que reformar.
    Bom bóra anda.

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